É natural que nos contratos de aquisição de cota de multipropriedade haja a referência às dimensões da unidade a que se refere a quota em matéria de área privativa, comum, total e fração ideal.
Segundo o Código Civil, um contrato poderá fazer referência às dimensões de maneira a vincular o preço a elas ou referi-las de forma meramente enunciativa.
Quando o preço for vinculado às dimensões, acaso estas dimensões não correspondam, pode o credor pleitear o complemento da área e, não sendo possível, reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço.
Vejamos a redação do artigo que trata da matéria:
Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.
§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .
Veja que os parágrafos complementam o caput (a cabeça do artigo). Cada um está para a cabeça por si considerado.
A regra legal estatuída no § 3 deixa claro que, na omissão do contrato, deve-se considerar que a venda é “ad corpus”. Ou seja, não será possível ao comprador postular o abatimento do preço ou requerer a complementação da área.
Note-se que o § 3 não exclui a possibilidade da resolução contratual. A redação refere tão somente abatimento de preço e complementação de área.
Isto porque, ainda que meramente enunciativa as dimensões, não se coadunaria ao sistema uma norma que compelisse o comprador-consumidor a manter-se hígido em negócio totalmente díspare ao que fora inicialmente ajustado. Evidente o abuso do fornecedor. Autorizada a rescisão na forma do art. 18, § 1, II, CDC:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
Ou seja, previsto ou não no contrato a venda ad corpus, é dado ao comprador rescindir seu contrato quando a diferença de metragem recebida for superior a 5%.
Gize-se, ademais, que o art. 43, inciso IV, da Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei n 4591/64) estabelece que:
Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:
IV - e vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal;
Em nenhum momento a legislação especial traz a previsão de que é requisito, para que o incorporador seja vetado de fazer alterações do projeto, a averbação dos contratos de compra e venda na matrícula do empreendimento, como costumam querer fazer crer as incorporadoras.
Em contrapartida, o § 2 do art. 500, CC, afasta a possibilidade imediata da rescisão quando a diferença de dimensões não exceder 5%.
Trata-se da materialização da teoria do adimplemento substancial e do princípio da preservação dos contratos.
O parágrafo segundo, entretanto, não afasta do juízo a possibilidade de desconstituir o contrato quando o comprador provar que não teria pactuado se soubesse da diferença de metragem – acautelando a boa-fé do comprador.
Gize-se que todo negócio jurídico civil deve ser interpretado segundo as diretrizes do art. 112 e 113, CC. Sendo assim, prevalece a boa-fé objetiva e a intenção das partes na celebração, mais do que o sentido literal da linguagem, mormente quando a literalidade, no âmbito de relação de consumo, for restritiva ao consumidor.
A alteração nas dimensões assume particular relevância porque a par da incorporação há ainda a convenção de condomínio que, consoante art. 1.332, CC, deve discriminar e individuar cada unidade relativamente ao terreno e parte comum.
Complementa o art. 1334 que a convenção determinará a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos.
Neste sentido, ainda , o art. 12, § 1 da Lei 4591 de 1964 estabelece que, salvo disposição em contrário em convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade.
A redução ou o aumento da fração ideal representa variação da unidade no rateio das despesas condominiais.
Entendo, nesta toada, que, consoante artigo 313, CC, inserto no título III do Código, que trata do adimplemento e extinção das obrigações, não pode o credor ser obrigado a receber coisa diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.
Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.
Alterado o empreendimento de forma substancial, mormente quando representar alterações na fração ideal das unidades, não há como compelir o adquirente a permanecer no negócio e imputar-lhe multa por resilição.
Neste sentido, ainda o diploma consumerista estatui diversas normas protetivas ao consumidor no sentido de preservá-lo quanto à atos praticados e cláusulas estatuídas por fornecedor sem prévio conhecimento – vide obrigação de orçamento prévio e ineficácia de contrato não levado ao consumidor.
Vejamos o art. 51, inciso XIII, CDC, espanca qualquer dúvida:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
Ante o exposto, tratando-se de relação consumerista, sendo o pacto ad corpus ou ad mensuram, evidente que alterações substanciais no empreendimento tem o condão de facultar o consumidor a rescindir o negócio, recebendo o que pagou com correção monetária e sem prejuízo de indenização por perdas e danos.