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27 de setembro de 2024
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Venda “ad corpus” e “ad mensuram” na multipropriedade e as alterações nas incorporações.

É natural que nos contratos de aquisição de cota de multipropriedade haja a referência às dimensões da unidade a que se refere a quota em matéria de área privativa, comum, total e fração ideal.

Segundo o Código Civil, um contrato poderá fazer referência às dimensões de maneira a vincular o preço a elas ou referi-las de forma meramente enunciativa.

Quando o preço for vinculado às dimensões, acaso estas dimensões não correspondam, pode o credor pleitear o complemento da área e, não sendo possível, reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço.

Vejamos a redação do artigo que trata da matéria:

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1 o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2 o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

§ 3 o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus .

Veja que os parágrafos complementam o caput (a cabeça do artigo). Cada um está para a cabeça por si considerado.

A regra legal estatuída no § 3 deixa claro que, na omissão do contrato, deve-se considerar que a venda é “ad corpus”. Ou seja, não será possível ao comprador postular o abatimento do preço ou requerer a complementação da área.

Note-se que o § 3 não exclui a possibilidade da resolução contratual. A redação refere tão somente abatimento de preço e complementação de área.

Isto porque, ainda que meramente enunciativa as dimensões, não se coadunaria ao sistema uma norma que compelisse o comprador-consumidor a manter-se hígido em negócio totalmente díspare ao que fora inicialmente ajustado. Evidente o abuso do fornecedor. Autorizada a rescisão na forma do art. 18§ 1IICDC:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

Ou seja, previsto ou não no contrato a venda ad corpus, é dado ao comprador rescindir seu contrato quando a diferença de metragem recebida for superior a 5%.

Gize-se, ademais, que o art. 43, inciso IV, da Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei n 4591/64) estabelece que:

Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:

IV - e vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal;

Em nenhum momento a legislação especial traz a previsão de que é requisito, para que o incorporador seja vetado de fazer alterações do projeto, a averbação dos contratos de compra e venda na matrícula do empreendimento, como costumam querer fazer crer as incorporadoras.

Em contrapartida, o § 2 do art. 500CC, afasta a possibilidade imediata da rescisão quando a diferença de dimensões não exceder 5%.

Trata-se da materialização da teoria do adimplemento substancial e do princípio da preservação dos contratos.

O parágrafo segundo, entretanto, não afasta do juízo a possibilidade de desconstituir o contrato quando o comprador provar que não teria pactuado se soubesse da diferença de metragem – acautelando a boa-fé do comprador.

Gize-se que todo negócio jurídico civil deve ser interpretado segundo as diretrizes do art. 112 e 113CC. Sendo assim, prevalece a boa-fé objetiva e a intenção das partes na celebração, mais do que o sentido literal da linguagem, mormente quando a literalidade, no âmbito de relação de consumo, for restritiva ao consumidor.

A alteração nas dimensões assume particular relevância porque a par da incorporação há ainda a convenção de condomínio que, consoante art. 1.332CC, deve discriminar e individuar cada unidade relativamente ao terreno e parte comum.

Complementa o art. 1334 que a convenção determinará a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos.

Neste sentido, ainda , o art. 12§ 1 da Lei 4591 de 1964 estabelece que, salvo disposição em contrário em convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade.

A redução ou o aumento da fração ideal representa variação da unidade no rateio das despesas condominiais.

Entendo, nesta toada, que, consoante artigo 313CC, inserto no título III do Código, que trata do adimplemento e extinção das obrigações, não pode o credor ser obrigado a receber coisa diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

Alterado o empreendimento de forma substancial, mormente quando representar alterações na fração ideal das unidades, não há como compelir o adquirente a permanecer no negócio e imputar-lhe multa por resilição.

Neste sentido, ainda o diploma consumerista estatui diversas normas protetivas ao consumidor no sentido de preservá-lo quanto à atos praticados e cláusulas estatuídas por fornecedor sem prévio conhecimento – vide obrigação de orçamento prévio e ineficácia de contrato não levado ao consumidor.

Vejamos o art. 51, inciso XIIICDC, espanca qualquer dúvida:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

Ante o exposto, tratando-se de relação consumerista, sendo o pacto ad corpus ou ad mensuram, evidente que alterações substanciais no empreendimento tem o condão de facultar o consumidor a rescindir o negócio, recebendo o que pagou com correção monetária e sem prejuízo de indenização por perdas e danos.

Barata Silva & Martinewski Advogados - Compromisso, ética e transparência. Protegendo seus direitos com excelência jurídica.